Os riscos da musculação na adolescência
Médicos alertam que, quando iniciada cedo demais, a atividade pode trazer sérios danos ao desenvolvimento
O interesse dos adolescentes pela musculação tem se manifestado cada vez mais cedo. Não é mais novidade o filho de 12 anos chegar em casa pedindo aos pais para entrar na academia. A malhação tornou-se uma atividade física popular, que alimenta os sonhos de tornar corpos esguios em corpos sarados. O pedido, porém, faz muitos pais tremerem diante de um turbilhão de dúvidas. Afinal, a musculação pode ser feita na adolescência? Ela atrapalha o crescimento? Leva à atrofia dos músculos? Não seria melhor continuar na velha e boa escolinha de futebol, fazendo vôlei ou natação?
Até pouco tempo atrás, os especialistas seriam unânimes em proibir a musculação durante a puberdade. Os hebiatras – médicos especializados em adolescentes –, todavia, têm substituído a proibição por uma recomendação: a de ter cuidado com a quantidade de peso usada nos exercícios e acompanhar o que o filho faz na academia. “A musculação pode sim ser feita na adolescência, desde que bem supervisionada e sem a intenção de ganhar musculatura”, afirma Ricardo Barros, coordenador do grupo de medicina esportiva da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Mas, se não é para ganhar músculos, para que serve a musculação nessa fase? Assim como outras atividades, ela evita o sedentarismo, melhora o condicionamento cardiovascular, a flexibilidade e as habilidades motoras. Aumentar a massa muscular, no entanto, só pode se tornar objetivo após o pico do estirão do crescimento, quando o corpo deixa para trás as feições infantis e ganha as características adultas. Nas meninas, ele costuma ocorrer entre 12 e 14 anos. Nos meninos, entre 14 e 16 anos. “Antes disso, o menino, por exemplo, não possui nem testosterona suficiente para ganhar massa muscular”, diz Barros. A testosterona é o hormônio responsável pelas características masculinas.
O risco de começar a fazer musculação antes do auge do estirão, com o objetivo de ganho de músculos – o que implica uso de cargas pesadas –, é de um sério prejuízo ao crescimento e de ocorrer danos à coluna (leia mais no quadro à pág. 118). “É preciso ter em mente que a musculação não é proibida, mas deve ser feita dentro dos limites dos adolescentes, diferentes dos limites dos adultos”, explica Paulo Zogaib, professor de medicina esportiva da Universidade Federal de São Paulo. “Não se pode impor grandes sobrecargas de peso a estruturas que ainda não estão completamente maturadas”, diz.
Por isso é importante escolher bem o lugar para a prática. Algumas academias oferecem treinos para quem tem entre 10 e 16 anos. Eles são baseados em exercícios simples, de menor intensidade e sem carga ou com pesos mínimos. Segundo os especialistas, o peso máximo a ser usado na musculação para os mais novos não deve ultrapassar cinco quilos.
Segurar os anseios dos adolescentes também é fundamental e deve ser prioridade do profissional responsável pelo jovem. “Quando comecei, pensava em ficar forte. Mas meu professor falou que ainda não era hora e que o melhor era priorizar os exercícios de resistência”, conta Lincoln Pereira Pasitto, 14 anos, há cinco meses fazendo musculação.
Não é só a musculação, porém, que, feita de maneira errada, representa riscos ao desenvolvimento. “A sobrecarga de exercícios pode acontecer até mesmo nas escolinhas de esportes”, diz o hebiatra Maurício de Souza Lima, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Por essa razão, os pais precisam estar atentos aos filhos. “Se o adolescente começa a demonstrar muito cansaço, dormindo sempre que entra no carro ou mesmo em uma fila, é porque tem algo errado e isso pode ser excesso de atividade física”, explica Lima.
Atenção redobrada deve ser tomada com quem treina para se tornar atleta de alto rendimento. “A tendência é de exagerar nos exercícios preparatórios para as competições”, alerta Lima. A recomendação é de não competir antes dos 13 anos, mas há algumas modalidades, como a ginástica olímpica, em que os campeonatos começam mais cedo, aos 9 anos. Como consequência, fazem-se exigências severas a corpos ainda em desenvolvimento, que pode ter como resultado a interrupção do crescimento ou, no caso das meninas, o retardamento da primeira menstruação.
De tão delicado, o treinamento deve ser acompanhado por profissionais qualificados para que o esforço pedido ao corpo não seja excessivo. “Mesmo no caso de atletas de competição, o estirão do crescimento deve ser respeitado. A complementação com musculação, por exemplo, só é feita para os atletas que já passaram dessa fase”, explica Danilo Bornea, técnico de ginástica artística do Clube Pinheiros, em São Paulo. A menina Ingrid Lima Messias, 14 anos, treina desde os 5 anos, já compete, mas, obedecendo à recomendação do treinador, ainda não iniciou a prática da musculação.
Os cuidados não podem ser entendidos como impeditivo da atividade física na puberdade. É consenso que o adolescente deve fazer exercícios, desde que sejam bem orientados. Entre os preferidos – por eles próprios e também pelos especialistas – estão os esportes coletivos. Além dos benefícios para o corpo, há o saudável aprendizado da convivência. Mas é fundamental que o jovem escolha a modalidade. Giulia Carvalho Oliveira, 13 anos, optou pelo vôlei há quatro anos. “Adorei e nunca mais saí”, fala. Só que nem sempre a criança é assim tão decidida. O mais comum é que sinta vontade de mudar após algum tempo. Essa indefinição, muitas vezes entendida pelos pais como uma incapacidade de o filho se decidir, é, na verdade, natural e saudável. “Quando eles fazem isso estão escolhendo o que melhor se adapta ao seu perfil e às suas habilidades”, explica o pediatra Ricardo Barros.
Um estudo do Instituto Nacional de Saúde da Criança dos Estados Unidos mostrou que, sim, os adolescentes têm o apetite elevado. Mas o aumento ocorre em idades diferentes para meninos e meninas. Elas sentem mais fome entre 10 e 13 anos. “É uma necessidade que está de acordo com o maior desenvolvimento das garotas no começo da puberdade”, diz Jack Yanovski, que liderou o estudo. Já os meninos iniciam a fase de comilança aos 14 anos e seguem comendo muito até os 17, em média. Nesse período, chegam a consumir duas mil calorias em uma única refeição. É o equivalente às calorias consumidas por um adulto durante um dia inteiro. “É a fase do estirão e amadurecimento sexual dos meninos, em que a demanda energética aumenta”, explica o pesquisador.
É exatamente o que está acontecendo com Pedro Daud, 15 anos, de São Paulo. “Repito o prato mais de uma vez. Às vezes tento esquecer a fome fazendo outra coisa”, conta. Os pais devem observar a evolução do ganho de peso durante o período do estirão, para evitar o desenvolvimento da obesidade. “Estudos sugerem que garotos com sobrepeso nessa fase têm maiores chances de serem adultos obesos”, diz Yanovski.
De toda forma, há nutrientes indispensáveis na dieta dos jovens. “Dos 8 aos 12 anos, não podem faltar à mesa alimentos que sejam fontes de ferro, para prevenir anemia. Alguns exemplos são as carnes vermelhas, o feijão e o agrião”, diz a nutricionista Cynthia Antonaccio, da Consultoria Nutricional Equilibrium, de São Paulo. Leite e derivados precisam ter lugar garantido para fornecer o cálcio que irá para os ossos. A vitamina A (presente em vegetais amarelos) para a manutenção da visão também é importante.
Mônica Tarantino
Fonte: ISTO É
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